segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

pose de doze

ele amava
minha pose

a posse
do que eu passava

quando a
gillete raspava
quando a cera
descolava

sempre lisa
nunca brava

a pose
de uma menina
de doze
saindo
da escola

fantasia de colegial?
ânsia, embrulho
me passa o sal!
acho que a pressão caiu
relaxa que ninguém viu

meia dose
de verdade:
porque inteira
ninguém engoliria

ela
é doce?
é simpática?
boazinha?
comportada?
pernas fechadas?
tonta, monga, abobalhada?
sempre com ar
de apaixonada?

vulnerável
tanto quanto
eu era:
uma bonequinha
inflável
calada

menina
a quem só era
permitida a pose
e mais nada

e ele amava em mim
tudo aquilo
a que fui forçada

minha fragilidade
exacerbada
minha força
forjada

a mulher
que crescia em mim
ele temia e odiava

de qual ele estou falando?
de qualquer um
todos eles são iguais

sem mais

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

relo

cada vez
que seu coração
era quebrado
ela catava
os cacos
e consertava

dessa vez foi diferente

ela juntou os pedaços
triturou
passou o cortante
numa linha
se fingiu de pipa
subiu ao céu
e prometeu
um relo
a qualquer um
que se aproximasse

se encontrou
dando cambalhotas
sozinha no ar

e entendeu
que voar
é muito mais
emocionante
do que
se apaixonar

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

a lua

se deixar
ir

depois de ir
e voltar

se jogar
como as águas
nas pedras do mar

sem se partir

se entregar
não ao que se pensa
mas ao que se sentiria
se a
mente
patriarcal
mente
não existisse

se a mentira
moral
branca (e gelada)
como a neve
nunca tivesse sido
pronunciada

branca de neve
gelada como a morte
dentro de um caixão
no meio da floresta

a ressurreição
com um beijo
de amor
do príncipe encantado
num cavalo

branco

o reino
dos sonhos
acorrentado
pelo mito da
salvação

e se o deus
fálico
bélico &
pálido
nunca tivesse
sido criado
à imagem e semelhança
do homem?

eu pergunto demais
eu devo ir?
devo
me deixar ir
depois de
um dia já ter pensado
e depois de já ter pensado
todos os dias da minha vida
desde quando me descobri
pensante?

deveria eu me deixar?

o que se pensa
pesa nas costas
porque a mentira
é a cruz que carregamos
pesada
que nos aponta
quem é que leva
as chibatadas

deixar de pensar
depois de um tanto já ponderado
eis a entrega
das pagãs
xamãs

das sonhadoras
irmãs

eu abandono
meu não-pensamento
ao pensamento
daquelas que já estão fartas
de pensar
das que querem agir
sem pestanejar
como se estivessem a
sonhar

sonho é o ponto
de intersecção
da conexão
entre mente e
aquilo que não mente

sonhar
é como se fosse
morrer

mas isso é que é
viver

faceiras &
feiticeiras

dançando
com lilith
e com gaia

nuas

guerreiras

eles não contam
com o que
eu conto

eu conto
com uma escolta

todo amor que
já dei pro mundo
ainda recebo
de volta

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

do não ao sim

o sonho
o pesadelo

a euforia
a depressão

eu vou?
eu não!

a esperança
o desespero

a atitude
a prisão

a força
o medo

o caos
destruição

eu vou!
eu não.

eu sou
maior e menor
que a minha
percepção

atravesso meu
deserto

a certeza
a ilusão

os opostos
os extremos

correm de uma
à outra mão

eu não?
eu vou.

queixo erguido
peito aberto

em galope
o coração

sigo o fluxo
quente e vivo
da minha própria
criação

eu não
em vão
eu vou
eu sim

e fim

encosto

toco o fundo
do poço
eu não disfarço:
roo o osso

não escondo
o ódio
o peso
o desgosto

não finjo
mais aquele
sorisso insosso

não pinto
felicidade falsa
no meu rosto

não compro
ou vendo
ilusões
a contra gosto

o deus posto?
o belo imposto?

ainda tiro
das minhas costas
este enconsto






segunda-feira, 17 de novembro de 2014

passarinhas

me deram silêncio
como castigo
e então eu fiz dele
meu guia

eis do que foram
e são
privadas
as mulheres
que morreram
ou morrerão
sem
aprender
a ler e a escrever

percebe?
sente?

elas são impedidas
de transformar o
castigo
em luta

elas são condenadas
à mãe ou
à puta

e a terceira opção
seria qualquer coisa
como a morte

isso se elas
tiverem sorte

ou seriam
lentamente
assassinadas
doloridamente
dia após dia

estupradas
magoadas
apavoradas

por quem?

quantos séculos
depois
nós aqui
lendo
umas às outras

é ou não é
um privilégio
de poucas
que precisa ser
de todas?

que o silêncio se
transforme em
palavra
escrita

eis-me:
a guia
de minha própria
consciência

vocês,
minhas companheiras

às turistas,
boa estadia!
às passageiras,
apertem os cintos!
machos: calados.

vamos
passarinhas
passeando
pelo ar

ainda que
com medo
de um tiro
nos levar
ao chão

terça-feira, 11 de novembro de 2014

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

clássica

eu queria parar
a música
do apartamento
de cima

clássica
piano
calma
branca

era uma música de paz
tocava ao fundo
do centro espírita
que eu frequentava

eu queria parar a música
ela me lembra
da minha necessidade
de ser salva
e de salvar

do homem que me pediu
para que eu fechasse
os olhos
e que me tocou
sem eu saber se aquilo
era carinho
ou se era ele
tirando a maldade
do meu corpo
com suas mãos
bondosas

acho que vou vomitar

não
vou tomar um banho
me sinto encardida
pela religião que tive

pálida
bélica
fálica
travestida
de verdade

a grande mentira
em volta da qual
girava
minha vida

o pássaro e a noite

sentimentos são como
o pássaro que
não soltei
aos sete anos
de idade
por temer
que fosse maldade

me arrependi
amargamente

o homem que prendia
aquele canto
tentou envenenar
minha cachorra
com chumbinho

hélio era seu nome
não esqueço
morava na casa dos fundos

ele tinha o sorriso
idiota
do roberto carlos
rei de sei lá o quê
e estava sempre
com pressa

"são tantas emoções, bicho"
era disso a cara que ele tinha
mas de que emoções
é que ele entendia?

eu poderia ter pulado
o muro
e ter aberto
a gaiola

eu poderia?
talvez eu apanharia
e eu tinha sete anos
de idade:
eu não podia

o pássaro
que não soltei
quando pequena
esperou meu peito
se abrir

hoje, adulto
saiu batendo as asas
com uma força
que já sabia guardar
dentro de si

e beijou a noite
escandalosamente
pousado sobre a cruz
da igreja

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

pássaro preto

já amei o branco
da pomba da paz
não mais

já não amo
pacificamente
o mundo
como há meses
atrás

mas ainda amo
talvez não mais o mundo
e sim gaia

permito a raiva
e todos os contraditórios
não amo pelos aplausos
do auditório

amo pelo abandono
da menina abraçada
aos seus joelhos roxos
morta de sono

amo pelas lágrimas
guardadas durante anos
volume morto
envenenado
com pesados metais

ais!

pelo
buraco negro
no peito
que nos sugavam
sabe-se lá para onde
enquanto no quarto
com as luzes apagadas
lavávamos os travesseiros
engolindo o soluço
mudo
pra ninguém desconfiar

pelo medo
de termos pecado
antes de dormir

pelo desejo de
sonhar
com um espaço
onde fosse
permitido chorar
sem prender o ar

pássaro preto
riscando o céu
à noite

invisível
entre as estrelas

depois
de deixar a gaiola

eis o meu amor

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

ingenuidade

sem direito
à ingenuidade
anda a menina
pela cidade

vestida para o calor
a pouca roupa
não é pro senhor

sábado, 13 de setembro de 2014

sem bigode

não consigo mais
lerminski
confesso
inconformada

de fato
se foi
a literatura
herdada

dos homens
não admiro
mais nada

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

rainha

amadeirado ele
doce ela

a semiótica
dos cheiros
revela
o que há
por trás das eras

das belas
e das feras

o rei já era?

quem me dera
o império se diluir
em quimera
da terra à
estratosfera

porém o império impera

enquanto isso
de ninguém
além de sua
ser rainha

a mulher
des
espera

domingo, 7 de setembro de 2014

A festa dos tristes sentidos

Para os olhos, a pressa, fast forward tentando antecipar futuros. Para os ouvidos, a possibilidade do mute. Para a língua, venenos enlatados. Para o nariz, aromas fabricados. Para a pele, plástica. À procura do cume perdemos a bela flor amarela no meio do caminho. Tendo chegado ao mais alto, acusamos a outra de não nos amar, e o eco nos acusa de volta, porque a pressa de chegar no topo nos fez enxergar outras velocidades como atraso, e não paramos para nos darmos conta de que a nossa existência não é a única que está em jogo. Os sentidos estão cada vez mais famintos, pois tentamos matar a fome de sermos amadas desdenhando do amor. A pressa dos olhos que não se demoram parados dentro de outros olhos. O isolamento acústico à qualquer dor que não seja nossa. O sabor artificial. O aroma de ausência. O tato enojado. Rejeitamos com força a realidade do corpo. Rejeitamos o olhar sincero da outra pois a verdade dele machucaria a vida de mentira que levamos. A dor da outra, não ouvimos, para não termos de adimitir que sentimos dor também. E por olharmos sem vermos e por ouvirmos sem escutarmos, nos empanturramos de sal e açúcar pois consideramos a vida insossa. Reprimimos nossos cheiros pois eles são a mais pura expressão das nossas verdades animais. Não aproveitamos toda a superfície da pele porque procuramos o gozo rápido. Vivemos na bolha dos sentidos. Gritamos, de dentro das nossas bolhas, todas as nossas verdades que chamam de loucuras, e achamos que a nossa salvação está em quem grita o mesmo grito que gritamos. Mas não há salvação que não venha de dentro. Nós procuramos por nós mesmas em outros corpos. Procuramos pelo amor que não conseguimos nos dar. O amor que tentamos sentir distrai todos os nossos sentidos e acabamos exaustas e perdidas na falta de sentido de uma vida cuja felicidade é medida na base das sensações. Que cesse a festa das coisas graúdas e comece a celebração das miudezas.

cebola

mãe picotada na tábua
com alma de cebola
camada por camada
ela foi descascada

sobrou apenas o núcleo
que o mundo chama de
essência maternal

lágrimas secam
com a louça
louca, dizem
enquanto o filho puxa
suas calças
pedindo colo

ela para tudo
deita a faca na pia
sorri olhando para baixo
pega a cria
brinca
fala língua inventada
sílabas desconexas:
empatia

de repente não sabe
quem salva quem

dois seres humanos
sentam à mesa
dizem hummm pra comida
afetados de amor e vida

o pequeno adormece
a mulher desperta
pensa, escreve, registra
desvia do olhar alheio
respira fundo com ânsia
nauseada pela indiferença

o bebê está saciado
dorme tranquilo o filho

mas a fome da mulher
é maior que o estômago
maior que seu corpo nervoso

é a fome da fome da fome
insaciável
adiada
pela maternidade

é o fluido da cebola
que arranca as lágrimas
e faz deslizar a caneta pelo papel

e o papel de mãe
não é seu núcleo

a tinta da caneta é que é

sábado, 6 de setembro de 2014

mimese impossível

abro mão da identidade
troco as palavras
que (não) me definem
pelos meus pés
coxas ventre
fêmur útero

a pós-modernidade
diz que quem quiser
pode se autodeclarar
mulher

que encham a boca
para proferir
o substantivo
o sujeito

quem se importa?
o verbo é meu

a vida que me vive
não pode ser
enclausurada
pelos signos
não é fluida
nem volátil

líquido é o meu sangue
material é a minha opressão
mimese impossível
a da ação

sufoco

a poesia velha
me sufoca
contra a parede
me engessa
em absurdas
e mudas
feminilidades

minha vulva se revolta
pelos caralhos passados
pretérito imperfeito
que só é perfeito
no presente
porque o filho existe

meus seios despencaram
alguns milímetros
depois da amamentação
estão mais belos
agora molengas
do que quando eu tinha
quinze anos

histérica?

histérico era freud
que sexualizou tudo
até mesmo crianças
pedófilo encubado
talvez
escondido atrás
do charuto

cínico era lacan
quando tagarelava
entre outras bobagens
"a mulher não existe"
(1/4 da droga que ele tomou
por favor?)

a psicanálise velha me sufoca
me prende dentro de um corpo
que me é todos os dias negado:

pelos?
estrias?
rugas?
cheiros naturais?
móveis empoeirados?
louça na pia?
amar outra mulher?

coisas de homem
proibidas pra quem
nasceu com útero

tem que parecer
pré-púbere
tem que agradar
exigências masculinas

tem que
tem que
tem que

foda-se

risco
com minha carne
o hoje histórico
cuspo no mofo
dos livros
que falam de mim
mas não me representam
gargalho dos gênios
emburrecidos
pelo pedaço de carne
inútil e violento
que carregam
no meio das pernas

vomito a alma para fora
e por alguns instantes
exorcizo a literatura
herdada

dispenso heranças
prefiro a pobreza
de pensar
por mim mesma

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

intacta

o tempo do avesso
os ponteiros girando
à esquerda:
do fim pro começo

voltar ao ponto
antes da perda

espermas de volta
ao pênis
até o meu corpo
virgem

merda
de vertigem

domingo, 17 de agosto de 2014

o retorno da deusa

ignorar os chamados
sociais
ser indivídua
nada mais

como?

me tortura
o sono
de minhas iguais

meu próprio sono
desencantado

desperto
no deserto
vejo de perto
o que há
por trás
dos ais

sinais

a deusa volta
ensanguentada
e enfurecida

cavou do centro
do mundo
a subida

as unhas
de terra
os olhos
de guerra

na jugular de deus
ela finca os dentes
e menstrua sobre ele
livremente

observo

seu sangue é
meu sangue
seu ódio é
meu ódio

vermelho vivo
voraz sagaz
de quem
se cansou
de implorar
por paz

mas não mais

todas passam
por mim
na calçada
mal sabem
dessa minha visão

desconcertada sorrio
e abaixo a cabeça
em vão
quando o meu desejo
era gritar:

- não veem o que vejo não?

sorrio e caminho
desamparada
sou uma indivídua

mais nada

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

ex-finge

discuto
não finjo mais
que não te escuto
que acato o ato

me decifrei
ex-menina
felina
paranauê

te ataco
e te devoro
a lá canibalè

quarta-feira, 30 de julho de 2014

mulher

afunilamento
passagem pelo beco
escuro seguro

caverna úmida
depois do céu estrelado
do vazio universal

criativo gozo estelar
útero inteiro

oco ocupado esvaziado
óvulo espermificializado
sangue de placenta

fito feto fato

ciclos
lua maré
inconsciência
redemoinho
espirais
terreiros giras
despertares
via láctea
mamas

mapa do céu

minuto exato sem pressa
signos solares lunares planetários
universais
signo linguístico sagaz

toda palavra um dia nasceu
assim como você e eu
entre nós aliás
do que é matriz

a folha não existe
sem raiz

nomes de gente
de coisa
de tipos de gente

categorias catalogadas
pelos patriarcas
donos da língua

homem mulher criança idoso
pai mãe filho filha
heranças biopsicossociais
econômicas, culturais

tudo, tudo, tudo nasce
de outra coisa já nascida
de morte em morte
na própria vida

enigma?

não, coisa dada
física, química
corpo e construção mental
material e antimaterial

medo humano da morte
que traz o que importa
perto

fantasmas
secando a água do jarro
enquanto atravesso
o deserto
jejum atchim bebum

não sou eu
nem elas
eles, eles me infernizam
porque não sabem morrer
não sabem não querem
não me deixam
viver

precisam dos meus
silenciosos ais
para se manterem
imortais

o passado passeia
na minha veia
fluidificado
passeia pelos acontecimentos
que me rodeiam
sem que eu possa interferir
tanto quanto eu
gostaria

efeito borboleta
por trás dos olhos
perigosas memórias
expectativas sobre
meu estar no mundo
de submissão
obediência, fragilidade
servilidade
doce maternal ilusão

eu ofereço
subversão
minhas palavras
de vida e de morte
sopradas ao vento
da sorte

a verdade que não pode ser
invertida
que a consciência começa
nas entranhas da mulher
do útero reprimido
com cólicas hormônios
tpm sangue lágrimas
açúcar na falta do afeto
contrações, ocitocina
a consciência da dor
seguida do nascimento

ponto de origem
matriz raiz

não, não vim da costela de ninguém
e estou conectada à fonte
no parto não sofri
eis a minha revolução
particular

mulheres cuidaram de mim
em meu próprio lar
me molharam com água quente
seguraram minha mão
apertaram minhas costas
nada diziam
apenas esperavam
o momento chegar
sem pressa, sem cortes
sem artificialidades
sem violências

eu urrei pela menina que fui
que deixava de ser
eu mulher
confusa com a anciã
que se aproximava de mim
e me sorria de peito aberto

eu medo
ela experiência
nós inseparadas

estamos vivas e juntas
doloridas porém corajosas
morando hoje em meu peito

por isso escrevo

para registrar nossos encontros
antes de encontrarmos
o leito

segunda-feira, 14 de julho de 2014

a perda final

tudo sempre me foi tirado
o que nunca tive
inclusive

fruto arrancado do galho
antes de crescida
a árvore

resignada me movo
como se o pior já estivesse dado
nada de novo

assim não morro de desgosto
e o possível alívio
sinto como um gozo

meu sexo me condena
a certas fatalidades
violências
impunes brutalidades

meu théo, théo teu
se te arrancarem de mim
te deixo tantas palavras
e tantas memórias

me deixo inteira pra você
toda escrita
dolorida por não poder
te criar como sempre sonhei

mas de cabeça erguida
porque mesmo ferida
não me calei

e se eu te criar
se as perdas vividas até então
não forem até as últimas
consequências
como sempre foram

é porque lutei
por cada segundo
ao seu lado

porque não deixei
meu urro de dor
ser abafado

como no dia
em que você nasceu

grito
essa sou eu

domingo, 13 de julho de 2014

Das perdas II

elocubrações
divagações
autoanálise

não tenho grana pra divã
tenho massa encefálica
livros na estante
google a um pensamento de distância
26 letras disponíveis no alfabeto
uma história de opressão
e a chave que me libertará
em minha própria mão

(ou não)

- trouxeste a chave? 
pergunta drummond

perdi, poeta, perdi
junto com o rg
o cartão do banco
o uniforme escolar
objetos

perdi com a memória
do meu corpo
abjeto

o tesouro dentro do baú
onde espera ser desvendado
o enigma da vida aos seus olhos
já não me interessa mais

pessoa,
o poeta é um fingidor?

a ex-finge 
sou eu

terça-feira, 8 de julho de 2014

entidades

buscando o que
falta

por urgências
atrasos intermináveis
por ausências
sempre presentes

sede sede
sede sede

a gente se esquece
de que é gente

de repente
está entre os dentes
de quem
de longe sente

o cheiro do
sangue pisado
em nossos
ventres

das perdas

memórias bloqueadas
por dentro dos olhos
estou aqui mas fui passear

chaves atrás do sofá
cartão no buraco da bolsa
identidade sei lá

as horas
nem vou contar

o que eu perdi
hoje não
encontro

amanhã
se pá

quinta-feira, 3 de julho de 2014

força

minha leveza
tem cheiro
de chumbo

vou na ponta
dos pés

mas carrego
no peito
o peso
do mundo

segunda-feira, 28 de abril de 2014

cura

menina foi espancada
moça, estuprada
grávida, abandonada
sempre silenciada
ninguém esperava nada
mas um dia o grito veio
depois de todo o receio
veio alto, veio inteiro

"- chega disso, estou cansada,
tá na hora da virada!"

e virou escancarada
enfrentou a falarada
falarou exasperada

"- sei que é pra vida toda
a luta contra a porrada
mas quanto mais eu apanho
mais eu rimo, mais escrevo
mais registro a minha estrada
a revolta eu descrevo
exponho quem me quer escrava
eu não fico mais calada
minha história é uma linha
passeia na carne brava
eu a a palavra somos minhas
agora ninguém segura
poesia é sutura
o patriarca me adoece
mas eu sou minha própria cura"

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

domingo, 16 de fevereiro de 2014

sororidade

diante da dor
silêncio ou abraço
é tudo o que faço

críticas
julgamentos
comparações

é pra quem corrompeu
o coração
com aço

cafa digital

a ponto de bala
lê-la
dentro da tela

atrás da tela
me esconder
de mim e dela

com a tela
me mostrar belo
homem de elo

sem a tela
ser gelo seco
só goela

olhar nos olhos dela
não vê-la

o que a tela deu
nunca me pertenceu

nem elas
nem eu

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

choro estelar

universo:
é pra você
este pranto

sei que do caos
nascem as estrelas

mas precisa
demorar tanto?

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

fêmea

desejei sua respiração
em minha nuca

sua língua
me lavando
[como nunca]

eu me revelando
molhada e maluca

love? não:
óvulo livre

enganada
era febre fértil
de tesão

mais nada

sagrada

pari jesus
de parto parido
e gozado

mas gozei antes
com josé
adão, eva
e mais um bocado

sou maria
mas virgem?

deus amado

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

filho taurino

solar
eu era ar
mente mentante

lunar
eu era água
coração galopante

ascendente
o fogo era eu
intenção transmutante

depois do filho
o norte

agora sou terra
vou também
cheia de chão

e sorte

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

deusa eu

mãos espalmadas
em frente ao peito:

mendicância
a um pai
que não existe?

saudação à
deusa
que me reside.

{de[u]s
orientada}
desejo:

que minha mente
desocidente

e que o som
do meu coração
me oriente

branquinho

bunda mole
cabeça dura
classe-média

comédia

racista
machista
contador de
conquistas

tragédia

sábado, 18 de janeiro de 2014

tudo ou nada

de repente
deixei de ser
doce

[que vicia]

eu não tô na vida
pra ser vício
de ninguém

[nem vadia]

no meu corpo moram
todos os sabores

[iguaria]

nasci foi pra ser
provada

pela língua
destravada
desbravada

ou tudo
ou nada

vida

tá tudo pontuado
partido passado
lido sentido
quase superado

agora o que quero
ver o ponto final
ser transformado
em marco zero

definição

poesia é
resposta
que se lança

já o amor
coceira nas costas
que a própria mão
não alcança

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

selvagem

para obedecer
ao íntimo
ritmo

apenas uma
premissa

que para tanto
haja espanto
contra toda
injustiça

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

ex-princesa

face a face
não existem mais
disfarces

máscaras dadaístas caem
deixando às vistas
rostos de carne e osso

o medo pulsando tenso
na veia do meu pescoço

por trás do véu de maya
sob os músculos e sangue
eu vou como carangueijo
cruzando o lodo do mangue

até chegar ao mar
sereia de Ulisses
cantando encantamento
sem perigo, essa tolice

eu canto porque preciso
eu grito pra mergulhar
não no lago de Narciso:
no espelho de Alice

atravesso sozinha
o meu próprio precipício
louvar o prepúcio do príncipe
não está nos meus princípios

burrice

se ele não consegue
ler estrelas

[nem as do céu
nem as minhas]

que poderia eu significar
portanto
pra um analfabeto
de entrelinhas?