quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

nem amor nem medo

minha vida não vai acabar
amanhã
se ela não corresponder

não me deixo levar
pelo ímpeto da conquista

[embora o ímpeto exista]

ela não é
terra à vista

nem minha vida
uma cruzada

nada disso
de tudo
ou nada

talvez eu não seja
digna
de seu interesse

talvez eu seja:
ela só
não me conhece

e apesar de curiosa
para saber
se ela
gosta ou não gosta
não quero apressar
a resposta

pode ser que
o interesse seja
meio que uma
lagarta

que demora
a chegar
ao destino

[farta do chão]

pode ser que
nossa potência
seja borboleta

[pode ser que não]

e se for
prefiro apenas
pacientemente
esperar
pela metamorfose

jamais me
conformaria
caso a minha
ansiedade
machucasse o casulo
onde nossas
supostas asas
amadurecem

comprometendo
o possível
voo

e se não for
ter tecido
este poema

já valeu
a pena

pois ele não nasceu
de expectativas
ou projeções futuras
mas da celebração
deste instante
repleto de si próprio

que oferece
agora sem medo
de altura
a mão para o salto
dos instantes
seguintes

a oferta
é mais importante
do que a sua aceitação

e a recusa
um risco
que não ouso
temer

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

sistemática

medo
poder
substantivos masculinos

coragem
verdade
substantivos femininos

analisando assim
essa coisa de gênero
até que faz sentido

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

estrutura

sentimento:

tudo o que sinto
é invenção
antiga

estreita feminilidade

sensação:

não transbordo pelas brechas
apertadas das algemas
na tentativa de escapar

conclusão:

a matéria
não é
etérea

a estrutura
é óssea
e dura

e a promessa
de liberdade
da líquida
pós-modernidade
não se cumpre

segunda-feira, 13 de julho de 2015

depois das 0h

nuas na janela
eu e ela
de madrugada

falando
nada com nada
dando risada

cigarro na mão
depois de passado
o tesão

a vida é muito curta
pra não ser sapatão

registro linguístico

sem hora
sem pressa
pra acabar

minha língua
quer decorar
seu gosto

descrever
a expressão
do teu rosto

aquele momento
foi tão terno

seis segundos
agora serão
eternos

lábios

seus lábios
sóbrios
são lábias
sábias

os grandes
eu separo
os pequenos
eu devoro

no meio deles
me demoro

terça-feira, 23 de junho de 2015

déficit de atenção

atenta a tanto
até me sinto
tonta

a tontura
não é déficit
é cura

rasguei a bula
ninguém mais
me rotula

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

ponto zero

desisto
o amor não existe
eu existo

existo e não amo
nem fui amada

o que sinto
não importa tanto

insisto

o amor
não merece
meu pranto

nem meu canto

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

suficiência

para as loucas
a solidão é
nefasta

mas ela
aprende
um dia

[para sempre]

que o carinho
de poucas
já basta

salto

a teia
que teço

com minhas
patas peludas

enquanto
pareço muda

esconde
o veneno
afiado

de um silêncio
milenar
guardado

não se iluda:

basta um salto
e tudo muda

aracnídea

a ilusão
de estar parada
num mundo
de pressas
me perturba

mas já não
me comove

aos 29
tenho a sorte
de saber
o que me move

não é a morte
pro azar de quem
me odeia

é a teia

domingo, 1 de fevereiro de 2015

isolamento ensimesmado

não
[h]á
braços

dados
lançados

os laços
são frágeis
ou falsos

há gritos
pra todos
os lados

mas

ninguém
ouve
o que
houve

:os ouvidos
estão
tapados

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

cicatriz

eu não perdi:
me foi tirada

uma vida inteira
paralisada

pelo medo
de repetir
algo que
de fato
nunca havia
feito

eu não perdi:
me foi tirada

como se tivessem
esse direito

como se o meu corpo
fosse por si só
um defeito

um delito
feito só
pra ser
bonito

eu não via a causa
mas sentia
o efeito

por isso vivia
sem jeito

alheia ao mundo
me procurando
dentro do peito

pelo medo de
perder
eu perdia
sem saber:

eu não perdi:
me foi tirada

as chaves
o dinheiro
a identidade

objetos
metáforas abstratas
que apontavam
pro concreto

de novo
de novo
de novo

até encontrar
distraída
a infecção dolorida
encravada
na minha língua

arranquei
pela raiz

o pelo que
colocaram
no meu ovo

só ficou
a cicatriz

sorriso

depois
que perdi
o medo
de perder

percebi

está pra nascer
o que pode
me deter

e sorri

porque
já morri
no entanto
continuo
aqui

o que mais
posso temer?

sábado, 24 de janeiro de 2015

solidão

solitária
queria trocar
o tê
pelo dê

solução
tão clichê

que
ninguém

porque:

dar-se
é demodè

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

pergunta séria

competir
co-criar

eis o
interruptor

o seu dedo
escolhe o medo

ou dá uma
chance
pro amor?

pesada

loading
corre o círculo
atrás do próprio
rabo
nas abas
abertas


len

ta

men

te


tantos bytes
e bugs
que chego a pensar
que o que está
sendo carregado

sou eu

contra as correntes

a poeta
desperta
insone
arisca
nem pisca

no vazio
oceânico
da tela
ela rabisca

dentro do
cerebral
aquário
vidrada

ela trans
forma
o pesca 
dor
em isca

o resto
à sua volta:

ou revolta
ou nada

dedo na garganta

meu corpo grita

para qual ouvido?

a náusea
de ter sobrevivido

é impossível
vomitar a realidade
que engulo

ininterrupta
mente

só quem sobreviveu
sabe o que
este âmago
- estômago -

sente

entre linhas

metaforomorfose
formou-se o formol

debaixo da língua
na matéria da saliva

in[con]forme-se:

pra manter
a verdade

viva
o lema

uma dose
um poema

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

(f) agulha

Podem me arrancar meu couro já que ouro eu não tenho. Meu tesouro é minha língua e ainda que ela mingue em metáforas pelo perigo de contar a proibida verdade, pelo perigo de viver sem abrir mão de minha percepção, a conexão que eu tenho com a linguagem-matriz-motriz, força que me criou e me recria todo dia, essa conexão tecida com o fio da linearidade da narrativa do meu corpo-agulha no tempo-espaço desde o dia em que eu pronunciei a primeira palavra que já era nascida antes de mim - delírios de liberdade não me pegam porque a palavra antecede o nascimento - essa conexão com o silêncio posto em palavra circunferente - pois que o núcleo da verdade poderia matar - esse dizer sem dizer, essas voltas, essas costuras, isso, isso, isso, esse nó que pula da garganta para o silêncio deitado das letras, essa percepção de sobrevivente: nunca vão me tirar.

Eu pingo pelas brechas, costuro pelas beiradas, minha vida é feita de dizer tudo sem poder dizer nada.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

outro tempo

o tempo da eternidade
é lento

caminha de momento
em momento

guardado
pela concha
espiralada
e escura 

dentro
do caracol

o guardião
do meu tempo
já não é mais
o sol

órfã de gaia

mulher
você não é
a minha mãe

porque eu não tenho mãe
nem você

A Mãe não existe

o que existe
são mulheres
(r)existindo
um dia de cada vez

não interprete
comigo
o papel
que eu desejo te ver
rasgando da tua própria
vida

porque desejo
rasgar da minha também

picotar
fazer uma fogueirinha

a gente não é mãe
do mundo

somos as filhas órfãs
de Gaia

antígona

não quero
ter razão
nem ser feliz

só parar
de viver
por um triz

pranto seco

rios de lágrimas
correm por debaixo
das minhas terras
secas
sem a água da chuva

queria ser mais úmida
por fora
para ser coerente
com o que sou
por dentro

lençóis freáticos
debaixo do deserto
todo o ártico
o atlântico
o pacífico
o mar vermelho

morto

o olho
- camada de ozônio -
secou
porque já nem pisca
por alerta extremado

enquanto a fonte
jorra
sem parar
pra todo lado

sem poder
subir à superfície

bolha

me desculpe
se te faço
olhar para dentro
onde os destroços
te traem
a todo momento

em busca
do meu centro
giro centrípeta
atraindo dores
humores rumores
que não
me pertencem
mas que já tive
[os seus inclusive]

o mundo
endurece os
músculos
das minhas
costas
emudece
nossas bocas
com a palavra
louca

sinto a sua dor
porque ela é universal
porque ela é sua
minha e dela
eu não tenho escolha

foi mal
por estourar
sua bolha

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

salvação

o mito da salvação
não ressoa mais em mim

não depende do beijo
do príncipe

a minha vida
no fim

espelho

metáforas
espocam
no ar

à minha volta

se você me
abraçar
não me solta

disse ela
em frente ao espelho

fica o conselho

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

confissão

perplexa
sonho planos
mas a realidade
é convexa

eu côncava
cheia de fundos falsos
bolsos poços fossas

escondidas das mãos
que poderiam
tornar a vida
menos complexa

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015