vida é morte o tempo todo
me lembrando que eu tenho um fim
mas eu não comecei ainda
"eu" ainda não existe
não é tão confuso assim:
o gênero me enfraqueceu
a cor me emburreceu
"eu" ainda não nasceu
é da morte que "eu" vem
da morte de quem eu fui
sem nunca ter de fato sido
quero o que eu poderia ser
se não fosse proibido
mulher ser indivíduo
[quem nunca "se divide"
é o sexo masculino]
mulher:
se não for pedir demais
me empreste um pouco
seu ouvido?
eu tenho há tanto
parada na garganta
esta pergunta:
não há meio
de ser sempre inteira?
camada por camada
apago as identidades
que de tão coladas à cara
aos trejeitos aos costumes
pareciam ser tão minhas
mas são de todas nós
cinismo, omissão, falsos sorrisos
até que só a matéria reste
potente viva pulsante
pronta para
ser
finalmente
eu, aquela que quis se matar
mas escolheu permanecer viva
porque o suicídio das mulheres
não é autoral
é o assassinato
sorrateiro
da autora
provocado pelos sujeitos
da legislação
do mundo
me recuso
a assassinar
a história
do meu corpo
e é assim
que começo
a ser
eu
.
.
.
[Poema inspirado na Teoria Inexistencialista da escritora Keli Cristina. Para ter acesso a essa teoria, acesse este link: https://amargemdofeminismo.wordpress.com/2015/10/19/inexistencialismo-leia-suave-com-todas-as-pausas-necessarias/]
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