quarta-feira, 30 de julho de 2014

mulher

afunilamento
passagem pelo beco
escuro seguro

caverna úmida
depois do céu estrelado
do vazio universal

criativo gozo estelar
útero inteiro

oco ocupado esvaziado
óvulo espermificializado
sangue de placenta

fito feto fato

ciclos
lua maré
inconsciência
redemoinho
espirais
terreiros giras
despertares
via láctea
mamas

mapa do céu

minuto exato sem pressa
signos solares lunares planetários
universais
signo linguístico sagaz

toda palavra um dia nasceu
assim como você e eu
entre nós aliás
do que é matriz

a folha não existe
sem raiz

nomes de gente
de coisa
de tipos de gente

categorias catalogadas
pelos patriarcas
donos da língua

homem mulher criança idoso
pai mãe filho filha
heranças biopsicossociais
econômicas, culturais

tudo, tudo, tudo nasce
de outra coisa já nascida
de morte em morte
na própria vida

enigma?

não, coisa dada
física, química
corpo e construção mental
material e antimaterial

medo humano da morte
que traz o que importa
perto

fantasmas
secando a água do jarro
enquanto atravesso
o deserto
jejum atchim bebum

não sou eu
nem elas
eles, eles me infernizam
porque não sabem morrer
não sabem não querem
não me deixam
viver

precisam dos meus
silenciosos ais
para se manterem
imortais

o passado passeia
na minha veia
fluidificado
passeia pelos acontecimentos
que me rodeiam
sem que eu possa interferir
tanto quanto eu
gostaria

efeito borboleta
por trás dos olhos
perigosas memórias
expectativas sobre
meu estar no mundo
de submissão
obediência, fragilidade
servilidade
doce maternal ilusão

eu ofereço
subversão
minhas palavras
de vida e de morte
sopradas ao vento
da sorte

a verdade que não pode ser
invertida
que a consciência começa
nas entranhas da mulher
do útero reprimido
com cólicas hormônios
tpm sangue lágrimas
açúcar na falta do afeto
contrações, ocitocina
a consciência da dor
seguida do nascimento

ponto de origem
matriz raiz

não, não vim da costela de ninguém
e estou conectada à fonte
no parto não sofri
eis a minha revolução
particular

mulheres cuidaram de mim
em meu próprio lar
me molharam com água quente
seguraram minha mão
apertaram minhas costas
nada diziam
apenas esperavam
o momento chegar
sem pressa, sem cortes
sem artificialidades
sem violências

eu urrei pela menina que fui
que deixava de ser
eu mulher
confusa com a anciã
que se aproximava de mim
e me sorria de peito aberto

eu medo
ela experiência
nós inseparadas

estamos vivas e juntas
doloridas porém corajosas
morando hoje em meu peito

por isso escrevo

para registrar nossos encontros
antes de encontrarmos
o leito

segunda-feira, 14 de julho de 2014

a perda final

tudo sempre me foi tirado
o que nunca tive
inclusive

fruto arrancado do galho
antes de crescida
a árvore

resignada me movo
como se o pior já estivesse dado
nada de novo

assim não morro de desgosto
e o possível alívio
sinto como um gozo

meu sexo me condena
a certas fatalidades
violências
impunes brutalidades

meu théo, théo teu
se te arrancarem de mim
te deixo tantas palavras
e tantas memórias

me deixo inteira pra você
toda escrita
dolorida por não poder
te criar como sempre sonhei

mas de cabeça erguida
porque mesmo ferida
não me calei

e se eu te criar
se as perdas vividas até então
não forem até as últimas
consequências
como sempre foram

é porque lutei
por cada segundo
ao seu lado

porque não deixei
meu urro de dor
ser abafado

como no dia
em que você nasceu

grito
essa sou eu

domingo, 13 de julho de 2014

Das perdas II

elocubrações
divagações
autoanálise

não tenho grana pra divã
tenho massa encefálica
livros na estante
google a um pensamento de distância
26 letras disponíveis no alfabeto
uma história de opressão
e a chave que me libertará
em minha própria mão

(ou não)

- trouxeste a chave? 
pergunta drummond

perdi, poeta, perdi
junto com o rg
o cartão do banco
o uniforme escolar
objetos

perdi com a memória
do meu corpo
abjeto

o tesouro dentro do baú
onde espera ser desvendado
o enigma da vida aos seus olhos
já não me interessa mais

pessoa,
o poeta é um fingidor?

a ex-finge 
sou eu

terça-feira, 8 de julho de 2014

entidades

buscando o que
falta

por urgências
atrasos intermináveis
por ausências
sempre presentes

sede sede
sede sede

a gente se esquece
de que é gente

de repente
está entre os dentes
de quem
de longe sente

o cheiro do
sangue pisado
em nossos
ventres

das perdas

memórias bloqueadas
por dentro dos olhos
estou aqui mas fui passear

chaves atrás do sofá
cartão no buraco da bolsa
identidade sei lá

as horas
nem vou contar

o que eu perdi
hoje não
encontro

amanhã
se pá

quinta-feira, 3 de julho de 2014

força

minha leveza
tem cheiro
de chumbo

vou na ponta
dos pés

mas carrego
no peito
o peso
do mundo