sexta-feira, 30 de julho de 2010

leitura

sobre minha pele branca
seu espesso leite
expressa
nosso deleite

revelação

não sei o que quis dizer
com o que disse

não quis dizer nada
só disse

e de repente
a verdade
apareceu

trote

o mundo domesticado
domou o amor
que eu insisto em cavalgar

indignada
[rédeas em punho]
não digo nada
[mas suponho]

o cavalo sou eu

acidente

o cio do silêncio
                [seu]
fere
minha alma
ocidental

acidente
[o mais fatal]
:eu não ter nascido
[de repente]
oriental

anonimânsia

as palavras vomitaram
é áspera a espera

do seu silêncio deserto
jorram águas
:minha mitologia
acaba de molhar o papel

mas o teu nome secreto: nunca pronunciarei

monólogo

silêncio aos cacos
barulho de soco
na boca do estômago oco

sinto pelo que digo
mas teu umbigo
nunca será meu ouvido

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Profissão natural do brasileiro

Thomas fez curso de clown nos EUA. Mas só se tornou um profissional reconhecido quando naturalizou-se brasileiro.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

sentimento eletrônico



"que importa o sentido se tudo vibra?" alice ruiz

sob grandes e caros óculos
me enxergam olhos gigantes
que de minha figura esquecerão
logo que a próxima música entrar

também eu me esqueço
(ou talvez esquecer não seja o sentido que busco)
[ou talvez esquecer o sentido seja o que busco]
os barulhos brigam demais a minha volta

chicotes dançam no ar, acima de todos
(invisíveis e inverossímeis cordas)
os bonecos dançam irremediavelmente
também eu danço, em estado de poder

olhos trêmulos e opacos me delatam
e eu, pupila, me pergunto, dilatada:
pertenço? não pertenço? pertenço? não pertenço?

estamos surdos a tudo, exceto ao deus que toca
estamos incomunicáveis e nossos dentes batem
(continuo tendo, dentro de mim, o dentro-de-mim?)

em densa agitação meu coração descompassa
se rebela mas não se faz ouvir:
meu coração é o corpo todo
e agora tem um ritmo incomum:
dança a dança do deus inútil

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Quando uma árvore pensou

Estática. Nada retorna quando o que passou nunca foi. Ter sido não significa. O que poderia ter sido, ou o que era pra ser, foi jamais. Entenda o que digo: em todos esses anos que passaram, eu nunca de fato fui. A existência foi por mim. Você nunca teve medo de ter sido uma mentira? A cada dia nascemos, a cada noite morremos, mas o vento sopra em nós. Ser é um mistério que não ouso entender, mas compreendo. Compreendo agora, com minhas secas nervuras, já que ontem eu não era eu, e amanhã deixarei de ser o que sou, mesmo que aparentemente, sempre me seja. Que faço de mim quando mim não entende de ancestralidades? O ontem é meu ancestral antigo. O anteontem uma nuvem que se dissipou. Que faço do mim que estou agora sendo? Os pés duros, fincados, a cabeça verde a balançar, dando-me a grave ilusão de movimento. E ventre do fruto mais bendito vermelho. Deus me humilha com sua sádica intolerância. Tento me opor a deus, tolerando-me: fracasso. Nunca serei deus, eu que nem em deus posso crer. Nem Eva, nem a maçã macia. Eu sou a raiz de uma macieira secular que ignora a própria existência. Extática.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Adeus, Sophia.

Adeus, Sophia. Teu nome me enoja: enjoa, enjoy the end. Você foi traída por sua própria identidade. Teu nome é que te traiu. Você não é sua. Está na boca do povo: eles usam teu nome em vão. Você é Sophia de todo mundo. Você não tem mais nome. Você é: você. Como gritar ao mundo que este nome é teu, só teu, e de mais ninguém? Como não se machucar por ver seu nome sendo dito sem a intenção de te chamar? Por que não disseram Mariana, Alessandra, por que usaram um nome que era o teu? Agora chora, menina sem nome. Chora machucada. Porque a única coisa imutável e definida em você já não te resta mais. Sophia. Sentirá saudades do teu antigo nome? Deixando de ser Sophia, deixará de ser você? Não mais será Sophia. Não, quero corrigir-me: já não é mais Sophia. Não ter um nome seria mais seguro: assim ninguém roubaria de ti seu silencioso nome por não sabê-lo.

Mas alguém possui um nome? Alguém é possuído por um nome? Quem é que tem um nome na vida? O nome é um destino? Por que não pode mais ser Sophia? Porque dói o ciúme de ver teu próprio nome servindo de beijo entre eles. Já não posso dizer mais que isso, não me é permitido dizer mais. Menina sem nome, que buscava antes o dentro de si porque já tinha algo definido ao qual se apoiar, pois que era em Sophia que se apoiava, ah, menina sem nome, agora não basta mais buscar o de dentro, terá que buscar o de fora, a casca, a tua conexão com o mundo: um nome. Sem pai, sem mãe, sem nome, sem nada. Com que forma se moverá dentro do Tempo e do Espaço? Põe o relógio no pulso do peito, desnomeada, desnorteada. Que talvez o infinito já tenha alcançado o neutro da inexpressividade. E já não caiba mais em você.