quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

inexistencialismo

vida é morte o tempo todo
me lembrando que eu tenho um fim

mas eu não comecei ainda
"eu" ainda não existe
não é tão confuso assim:

o gênero me enfraqueceu
a cor me emburreceu
"eu" ainda não nasceu

é da morte que "eu" vem
da morte de quem eu fui
sem nunca ter de fato sido
quero o que eu poderia ser
se não fosse proibido
mulher ser indivíduo
[quem nunca "se divide"
é o sexo masculino]

mulher:
se não for pedir demais
me empreste um pouco
seu ouvido?

eu tenho há tanto
parada na garganta
esta pergunta:

não há meio
de ser sempre inteira?

camada por camada
apago as identidades
que de tão coladas à cara
aos trejeitos aos costumes
pareciam ser tão minhas
mas são de todas nós
cinismo, omissão, falsos sorrisos

até que só a matéria reste
potente viva pulsante
pronta para

ser

finalmente

eu, aquela que quis se matar
mas escolheu permanecer viva
porque o suicídio das mulheres
não é autoral

é o assassinato
sorrateiro
da autora

provocado pelos sujeitos
da legislação
do mundo

me recuso
a assassinar
a história
do meu corpo

e é assim
que começo
a ser

eu

.
.
.

[Poema inspirado na Teoria Inexistencialista da escritora Keli Cristina. Para ter acesso a essa teoria, acesse este link: https://amargemdofeminismo.wordpress.com/2015/10/19/inexistencialismo-leia-suave-com-todas-as-pausas-necessarias/]

#ahistoriadela
#herstorytelling

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