domingo, 7 de setembro de 2014

cebola

mãe picotada na tábua
com alma de cebola
camada por camada
ela foi descascada

sobrou apenas o núcleo
que o mundo chama de
essência maternal

lágrimas secam
com a louça
louca, dizem
enquanto o filho puxa
suas calças
pedindo colo

ela para tudo
deita a faca na pia
sorri olhando para baixo
pega a cria
brinca
fala língua inventada
sílabas desconexas:
empatia

de repente não sabe
quem salva quem

dois seres humanos
sentam à mesa
dizem hummm pra comida
afetados de amor e vida

o pequeno adormece
a mulher desperta
pensa, escreve, registra
desvia do olhar alheio
respira fundo com ânsia
nauseada pela indiferença

o bebê está saciado
dorme tranquilo o filho

mas a fome da mulher
é maior que o estômago
maior que seu corpo nervoso

é a fome da fome da fome
insaciável
adiada
pela maternidade

é o fluido da cebola
que arranca as lágrimas
e faz deslizar a caneta pelo papel

e o papel de mãe
não é seu núcleo

a tinta da caneta é que é

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