Quantas pessoas Sophia consegue ser ao mesmo tempo? E não luta consigo mesma por não conseguir sem uma delas até o fim? Neste momento qual delas era?: a Sophia que queria um status. Odiava-se, como odiava-se por sentir tudo aquilo. No fundo, sabia que uma outra Sophia em si não precisava do status. Aqueles sorrisos? Sabia que eram efêmeros. Aqueles abraços? Sabia que não durariam mais do que cinco segundos, e que seriam logo esquecidos. Mas uma das Sophias dentro da plurexistente Sophia era amante do efêmero e do fútil. Era capaz de passar uma longa noite sem pensar em nada, sorrindo e fazendo que sim com a cabeça, apertando os olhos em eternos: sim, é verdade. E em movimentos bruscos, como se aquilo fosse vital: sim, sim, sim. Sim, vamos rir todos porque com todo mundo rindo esquecemos que o que mais queremos é chorar. E todos riam, preenchendo os segundos inteiros com concordâncias e amenidades para que as profundezas não fossem dilacerantemente tocadas. Sim, sim, freneticamente sim, alucinadamente sim, no mesmo ritmo que a música toca: simsimsim. Sophia agora era mulher, carne e inveja. "As mãos delicadas daquela menina me irritam" - pensava. "Ela concordando, como eu concordo, me irrita" - pensava. "Ela não tem o direito de dizer sim do mesmo modo que eu. Porque eu, Sophia, em outros casos digo não, não. E ela está sempre dizendo sim, sim. Mas quando os outros olham, ela, atriz, seriamente diz: não, não: mentindo! mentindo! Ninguém vê que ela mente?. Eu apenas omito. Oh, Vodka, obrigada, sim, sim. Como eu me odeio. Oh, foto?" Sorriu: "devo parecer feliz, se eu vender a minha felicidade, todos compram, quem não compra?" E disse: "sorriam, gente!". E em silêncio: "idiotas. O que é que eu estou fazendo aqui?" Sophia pensava e esquecia, odiava-se num segundo, no outro, dançando, amava-se novamente. Mas o amor que sentia por si mesma enquanto dançava era só pra que ela mesma acreditasse nesse amor. Dançando, acreditava. "Eu me amo, eu sorrio, eu amo as pessoas, isso é minha vida", pensava a Sophia. De repente um pensamento lhe ocorria: ele me ama, mas não como eu quero, eu quero que ele me ame e que todos saibam, eu não basto pra mim." Mas Sophia bastava-se, só não sabia disso. E não precisava daquilo, e não precisava de nada, e não precisava de ninguém. Mas aquela mentira era tão boa de acreditar. A mentira de precisar era tão difícil de se desvencilhar. Se prestasse mais atenção, Sophia veria que já tinha tudo: ele, a si mesma, uma vida pela frente. Mas quem está contente com isso? Não basta ter o ele, é preciso que o ele seja mais. Não queria flores nem nada: só queria o ele fortemente ao seu lado esquerdo, depois ao seu lado direito, e ao fim da noite dentro dela. E que todos dissessem: ele te ama. E de que adianta ter uma vida pela frente quando já se deixou uma vida para trás? Atordoada pensava: "quem sou eu? quem somos nós? o que fazemos no mundo?" E continuava: "só eu estou atordoada?, o que se passa com vocês?, o que se passa comigo? Por que não consigo ser a mim mesma, eu, Sophia nascida e criada, por que não posso ser só e simplesmente eu, uma e apenas uma Sophia? Direi: não bebo mais. Mas deixo isso para mais tarde, é tão bom beber. Uma das que existem em mim não precisa da vida noturna e nem de nada disso. Quero aniquilar todas as Sophias supérfluas e ficar com a que sou eu, mas todas estão acorrentadas, são carne e unha, uma na outra, siamesas. Corta-se uma, corta-se outra, são Sophias interdependentes. Vamos embora? Preciso tanto dormir, preciso tanto descansar, daqui a pouco minha mãe acorda e eu ainda não cheguei, ela vai ficar preocupada.” - Ah, Sophia, sua mãe está acostumada com você. Sophia estremeceu. Como é que a mãe ainda a suportava? Era uma filha linda, exemplar, fútil, vagabunda. Agora Sophia não precisava mais de porra nenhuma de status. Sophia queria mandar todos à merda e à grande e incomensurável puta que pariu. Até mesmo ele, se assim fosse preciso. Não queria abraço nenhum, cinco segundos eram demais. Essa era a Sophia que queria ser para sempre. A Sophia das virtudes eternas. Entrou no carro, encostou sua cabeça cansada e fingiu que dormia, para não ter que conversar. E, como em todas as outras vezes, chegou, abriu a porta do quarto e deitou. Agora ela dizia, sinceramente dizia: não!, não! No ritmo do silêncio ela repetia: nãonãonão. Sobre a colcha de culpa que insistia em tecer e se cobrir. Sob o fardo de viver em pleno século vinte e um. E dentro da nostalgia de nunca ter sido para sempre apenas uma só. Num sim e não contínuo. E num talvez perpétuo.
É o vazio de deixar-se levar pela falsa liberdade, que é tão atraente aos nossos olhos, que nos escraviza.
ResponderEliminarLiberdade não é apenas possuir a capacidade de dizer sim e não.
Liberdade é possuir a capacidade de dizer sim e não para as coisas certas.
O que é liberdade? O que é certo, o que é errado? São três conceitos. Mas na prática, existem? Existem fora dos limites da abstração e das nomenclaturas?
ResponderEliminarA questão é existencial. Uma pessoa que tem várias identidades como a Sophia, não sabe a qual identidade responder. Numa hora responde à uma, noutra, à outra, e em uma terceira, volta à primeira.
A questão se volta para o indiví-duo.