quinta-feira, 11 de março de 2010

Sophia e o amor sentido no espaço de uma música.

O silêncio reinava mudo entre ambos: nada tinham a falar, nem queriam ou precisavam. A música preenchia todos os espaços da sala – os vazios, os cheios, o coração dela. O fato de serem dois estúpidos em música era uma dádiva mansa: eles ouviam, quietos. A ela, o som inundava. Entregue ao que estava acontecendo, seu coração se aqueceu. A música intensificava o que ela sentia por ele.
 Queria tanto contar-lhe esse grave segredo, mas calava-se. Queria beijar-lhe delicadamente os lábios bobos, lábios prontos e moles que poderiam ser beijados antes, durante ou depois da música. Mas isso a entregaria, e ao seu segredo. O peito palpitava seco, a boca molhava esdrúxula. Será que ele sentia o mesmo? Queria um sinal da parte dele, qualquer um. Ele poderia, com seus cílios tristes, demorar-se um pouco mais para piscar, ou com seus pulmões titubeantes, respirar com certa dificuldade, mas de um modo profundo, até massagear seu abdômen por dentro, como um bebê satisfeito. Mas nada nele havia mudado, sua expressão era insuportavelmente idêntica à expressão anterior à musica. Como se não houvesse nenhum resquício de mágica naquele instante. E ela tão enfeitiçada: como podia? Teria ele o mesmo medo que ela? Será que ele também esperava por um sinal?
Depois, ela pensou que se houvesse comunicação entre eles, deveria ser a menor e menos ruidosa possível. Não, não!, não deveria haver sinal algum. Ela desejava guardar aquilo como a um tesouro que, por estar escondido e não ter valor de troca, valia infinitamente mais. O que a música despertava nela era diamante, e se descoberto, posto aos olhos, se dissiparia em carvão. Quanto tempo tinha aquela música? Cinco minutos? Não, eram cinco séculos. Como se ela o conhecesse há cinco séculos e desde sempre tivesse sido sua. Escandalizada com o que estava percebendo, atingira um ponto íntimo no centro de seu corpo, e ali sentia a vida pulsando, expectante.
Não podia ser que ele não sentia tal experiência. Poderia olhar para ele com um tom invisível nos olhos e mover os lábios em um “eu te amo” . Mas o que é que isto queria dizer? O que a música mostrava esmagadoramente a ela e sem escapatória era que aquilo que sentia ultrapassava irremediavelmente “eu te amo”, tão pequeno e pouco. A música era ele, e ela era um ouvido ávido: dentro dela, ele fazia sentido, se fazia sentido. Era isso, ela era um ouvido.
Não é amor, não é! pensava ela cansada, o coração assaltando-a, em saltos, a boca imóvel. Não é amor, porque amor é aquela coisa boba que sinto quando estamos à rua de mãos dadas, voltando contentes da sorveteria. Amor é o que sinto quando acordo de um pesadelo pesado e vejo que ele não me soltou do abraço que dera enquanto adormecíamos. Essa coisa tosca e cotidiana é que é o amor.
Mas o que estava acontecendo na sala fazia de ambos seus próprios ancestrais: há cinco séculos guardavam o segredo da comunhão. Sim, ele sentia o mesmo, ela pensava que sim, que sim!  e secretos, silenciamos...para sermos eternos. Aquele segredo deveria compartilhar uma mesma essência com a eternidade: era necessário viver ignorando-a, submissos, absurdos e normais.
Até que a música acabasse, suportaria o peso impossível de carregar que era o que sentia por ele. Será que ele sentia o mesmo? A dúvida infugível. Sentia o fim lento da música se aproximando, e sentia o medo extremo de jamais poder novamente atingir-se tanto. Quando enfim o silêncio imperou absoluto, ela levantou-se com sono, estreita:
-Tive um dia difícil hoje no trabalho. – Compartilhou com ele.
E foram dormir. Abraçados e comuns como um dia de chuva.

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