sábado, 27 de novembro de 2010

Sobre voar

Ele não é o mesmo. Ele nunca será o mesmo. Ele nunca foi o mesmo. No entanto sinto como se aquela pessoa tivesse um núcleo sólido e que aquilo que achei que conhecesse nela fosse de uma extrema estabilidade. Mas os mesmos eram meus olhos que olhavam estáticos aquilo que estava mudando. Como se eu estivesse em um carro em movimento, olhando da janela para o céu, e neste céu houvesse um avião também em movimento, dando a impressão de que o avião estivesse parado. Perdi de vista o avião quando me distraí. Olhei para o mesmo ponto e o avião não estava mais lá. Confiei demais na imutabilidade daquilo que tem asas e que sobrevoa a realidade. Quanta tolice. O que é imóvel pode ser imóvel diante de olhos apenas imóveis. A imobilidade vê a imobilidade. Vemos o que acreditamos ver. Mas o que é visto – isso muda. E muda num piscar de olhos. De repente o avião não está mais lá. Aviões voam, e voam rapidamente. E voam rapidamente para longe. Voam com um destino que é deles mas quem está de fora nunca saberá onde ele vai pousar. Nem mesmo o avião sabe. Dentro do avião mora um piloto que não fala a língua da máquina do avião. O piloto guia., o avião vai, mas só quem sabe “para onde” é mesmo o piloto. E o piloto é incomunicável
A mim, resta o aprendizado. Fiquei sabendo depois de não ter mais visto o avião, que ele pode desaparecer. E não só pode: desaparece, como é de seu direito e talvez até mesmo de seu dever. Olho novamente pela janela. Meus olhos não são mais imóveis, e se transformaram. Meus olhos são a janela. Sou feita de aço e voo no espaço, sem saber para onde vou. A imobilidade me abandona. Você. O chão. Para sempre eu me voo. Sou também um avião. E vou pousar sabe-se lá em que pistas, e sabe-se lá se vou pousar. Talvez meu destino seja cair. Há em mim um piloto que me guia. Desconheço a rota, mas não deixo de voar por entre nuvens, tempestades e raios de sol. Ir em frente é a única salvação, e arduamente vou. Para onde vou? Não sei. Ao seu encontro? Quem sabe? Se nos faltar ar, máscaras de oxigênio cairão dentro dos nossos corações. Eles, que precisam tanto respirar.

2 comentários:

  1. Sim, o nosso destino é cair, em nós mesmos. Aí respiraremos aliviados sem as máscaras nos nossos corações!

    Bejo!

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  2. Seu texto foi linkado em um outro post, que me significou muito, pessoalmente.
    Só hoje eu abri o link.
    E vc falou o que eu sinto, agora, que já passou
    "A mim, resta o aprendizado. Fiquei sabendo depois de não ter mais visto o avião, que ele pode desaparecer. E não só pode: desaparece, como é de seu direito e talvez até mesmo de seu dever."
    Não quero ser piloto do avião de ninguém. Sou também avião, como vc.
    Bj

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