quarta-feira, 9 de junho de 2010

Primeiro dia

As calcinhas já secaram no varal.  Desliguei o som porque quero – preciso – muito do meu silêncio. Sentei e fiquei ali, parada. O brigadeiro que você deixou pela metade ainda está na mesa da sala. A latinha de suco de pêssego que você tomou enquanto jantávamos nossas porcarias ainda está na cozinha. Tive dificuldade em jogá-la fora, achei um pouco doentia essa dificuldade: a quase incapacidade de jogar uma latinha vazia no lixo, só porque ali tinha saliva sua. E seus últimos momentos comigo estavam registrados nela, ora, ela havia presenciado tudo. Espantada, com o coração aos saltos, peguei a latinha com as minhas mãos tão brancas e vazias, ainda com o esmalte verde da semana passada, o coração na boca, abri a tampa da lixeira e adeus latinha.
E repeti para mim mesma: que faço agora, e agora? Virei rapidamente as costas e saí da cozinha para não permanecer por muito tempo presa àquele pensamento, poderia ter ficado por horas na cozinha, ter sentado junto à mesa com a latinha de suco de pêssego na mão, chorando, procurando pela gente, te procurando nela. Mas bravamente me salvei, ainda que desamparada.  Fui para o quarto, sentei na cadeira e senti uma leveza, perigosa leveza que o estado de choque sempre me proporciona – será que só eu sou assim na vida?: quando alguém morre ou vai embora, primeiro vem o estado de choque e com ele uma negação da realidade, travestida de aceitação da realidade – não que essa leveza possa durar, e não que não possa durar também – quem sabe? – mas o fato é que naquele momento eu estava leve e isso me foi bom.
A J. chegou, conversamos. Depois chegou a B. Conversamos. Eu ainda naquele estado de choque, pensando: elas devem achar que sou fria, mas sei que isso é passageiro, que sou quente até demais, que dentro de uns dias estarei fervendo, fervendo, amanhã acordarei mal, não péssima ainda, mas o fato é que a realidade ainda não me chegou ao estômago, ainda está passando pela garganta, não, não engoli, quanto mais tê-la digerido. Não, não digeri, e quanto tempo levará até que essa droga comece a bater? Essa droga de vida que é uma vida sem você. Neste momento eu já estava entregue – e sozinha. A B. e a J. já estavam dormindo, e eu resolvi tirar o esmalte verde das minhas unhas, pintá-las de rosa flúor, não queria o verde que presenciou nós dois hoje me acompanhando durante a semana, eu tendo de olhá-las e pensar que você ainda estava um pouquinho ali. Pintei, ficaram bonitas, obrigada. E já eram duas horas da manhã, necessário dormir. Você não deu nenhum sinal, melhor assim, pior assim, melhor assim. Ai meu deus.
Amanhã você acorda cedo, então já deve estar dormindo, você não tem problemas com o sono, nem eu tenho. Mas será que você conseguiu dormir? Será que tá doendo aí em você como está doendo em mim?
Covarde, peguei um dos livros que você me ajudou a carregar de lá da biblioteca até em casa, o do Caio F., covarde, covarde, porque sabia que não conseguiria dormir se deitasse, embora com sono estivesse. Lerei aquele conto que eu estava tentando ler quando você reparou que eu não estava mesmo bem, porque eu tinha o livro nas mãos mas não olhava para ele. Li, e tinha uma frase assim “aos caminhos, eu entrego o nosso encontro”, eu sorri triste e mentalmente repeti: aos descaminhos estiveram entregues nossos desencontros, aos caminhos, entrego nosso reencontro, estamos desencontrados mas nos encontraremos, será?
Será que dessa vez nos desencontramos para sempre? Tenho medo dessa resposta, não quero te deixar para trás, é amor demais, é apego também, é querer-nos demais.
Enfim, estamos anoitecidas: eu e a solidão. Faço madrugada, mas já não sei que horas são. Sim, o Sol voltará, ele sempre volta. Mas previsão não há. Minha alma está enegrecida com a sombra da tua ausência na minha vida.

3 comentários:

  1. Ugh....

    Adeuses podem ser sempre sofridos. Mas tem uma coisa: são necessários. É neles que aprendemos a dizer adeus e encontrar os nossos próprios adeuses. É com eles que aprendemos a aceitar que não temos a obrigação de estar com ninguém só porque alguém é maravilhoso aos nossos olhos.

    Porque a-deus é justo.

    Não sei se é pessoal ou não, mas se for, quero que saia dessa logo, pq quero novos poemas lindos!

    Bejo!

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  2. Off topic:

    Esta semana comemorarei meu aniversário. Agora vi q vc é de Sampa, será provavelmente no Sonique. Confirmo em breve. Sinta-se convidadíssima!

    Bejo

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  3. Cara Linguaruda!

    Confirmado o aniversário: dia 12/06, sábado, no Sonique (www.sonique.com.br)

    Diz que vai!!!!!

    Bejo

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