segunda-feira, 9 de novembro de 2009

vício


Fume este cigarro até o fim, mesmo com todo esse enjôo, mesmo com toda essa vida, mesmo com todos esses planos sem nexo, complexos-convexos-complexos. Traga com vontade, traga a taça de vinho, traga o copo de vodka com coca com soda com melodrama, traga toda sua trama e depois deita na tua cama, mas antes fuma este cigarro até o fim. Fecha e aperta os olhos, lembra da tua infância, dos teus descompromissos, lembra de você aprendendo a andar de bicicleta, ralando o joelho, o cotovelo, as pernas pretas de graxa e o sorriso sem graça que você dava quando caía de patins. Fuma, fuma esse cigarro maldito até o fim. Force a fumaça pra dentro mesmo querendo vomitar, mesmo querendo parar de fumar, agora você está aqui e agora vai até o fim e agora quer jogar tudo pro alto, joga, joga, mas segura o cigarro lá em cima, com as mãos esticadas para um deus que não existe e que se existe não tá nem em cima nem embaixo, mas dentro, lembra? Lembra, com os olhos borrados de rímel você lembra, mas logo se força a esquecer, porque pensar nisso dá ânsias, e força e forja mais um trago, fingindo força. Fuma, fuma até o fim. Assim que acabar teu cigarro para onde você vai? Acha que está segurando, mas quem te segura é ele. Para onde você vai, me diz? Larga tudo: esse emprego, seus melhores piores amigos, larga essa vida larga-gorda-inútil, essa cadeira em que você senta sua bunda preguiçosa, esse chuveiro quebrado, esse lençol velho, larga. E agora que o cigarro acabou, deita e dorme. E que seus sonhos tragam mais dúvidas para seus dias.

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